terça-feira, 31 de março de 2009

Luz cega, Porque não sabe ver


Apesar das inovações de equipamentos e das alianças com as tecnologias digitais, penso que a iluminação cênica chegou num limite e não faz senão repetir o que os olhos já cansaram de ver, sobretudo no que diz respeito ao palco italiano. Persistem ainda os conceitos herdados da pintura, as sugestões da arquitetura, da fotografia e do cinema, em termos de composição visual e de luz vinculada à estrutura narrativa, à câmera, ao discurso da imagem e da literatura. Há muitos espetáculos em que a luz é entendida como ilustração de alguma coisa ou então como recurso de coesão do espetáculo, como se fosse de fato um editor. Os abusos da cor, das mutações, dos efeitos criados em função do olhar externo, têm feito da luz cênica um espetáculo à parte, um setor autônomo e separado da produção, entregue à responsabilidade de designers com suas idéias, leituras e interpretações sobre a cena. Por mais que se busque integrar a luz à cena, ainda resulta numa colagem, uma re-leitura, numa sobreposição de uma coisa à outra. Não é uma luz que troca matéria, energia e informação com a cena, em tempo real, a partir daquilo que a cena traz de vivo, através de si mesma. Será esse o papel da luz no teatro? Um artifício
para produzir ilusões? Para manipular a informação visual e controlar o olhar externo? Tenho minhas dúvidas. Acho que tudo isso provém de umconceito de que teatro é produto (para não dizer mercadoria) com embalagem, seguindo as tendências da moda, os mais sofisticados meios de produção, a busca de excelência técnica para melhor atender o freguês. Isso pode ser “iluminação”, um meio artificial desenvolvido para os mais diversos fins, a exemplo da iluminação pública, de museus, fachadas, monumentos, hospitais, shoppings, etc., mas definitivamente não tem nada a ver com a conexão luz-cena. A cena é evolutiva, inconstante, viva, orgânica. Cada movimento minúsculo do ator inaugura um novo tipo de espacialidade, subtrai sombras e instala brilhos nas superfícies visuais do corpo, cria pontos de absorção e reflexão diferentes do estado do corpo há um milésimo de segundo atrás. Tempo e espaço tornam-se vivos, em presença da percepção externa. A luz não é um arranjo pré-estabelecido, morto, estático, que acompanha a cena de tempos em tempos, de acordo com as chamadas “mutações” (há montagens que fazem questão de dizer que possuem centenas de mutações (!), como se isso fosse o suficiente para justificar o estado vivo da luz). De fato, as mutações dão dinamismo ao espetáculo, tornando-o vivo. Mas não estamos nos referindo ao espetáculo vivo, mas às cenas vivas. Não há corpo vivo sem órgão vivo. A luz é um organismo vivo, composto de radiações eletromagnéticas e comprimentos de onda que “dialogam” com os corpos vivos da cena.O teatro pós-dramático (cf. Lehmann, 2007), ao falar de uma dramaturgia pós-dramática e conseqüentemente de uma cena pós-dramática, talvez sirva de referência para um novo conceito de luz cênica, não mais baseado na luz pictórica e cinematográfica do teatro dramático – profundamente influenciada
pelas vanguardas do século XX, notadamente o expressionismo – mas num conceito mais simples de que luz e cena caminham juntas, de modo co-evolutivo. Em outras palavras: a luz é a cena, está na cena, confunde-se com ela. Trata-se, pois, de um componente invisível – exatamente o contrário do que se tem visto na prática --, que acompanha o fluxo da unidade dramática viva.

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